[ TC >
Jurisprudência > Acórdãos > Acórdão 353/2012 ]
ACÓRDÃO N.º
353/2012
Processo n.º
40/12
Plenário
Relator:
Conselheiro João Cura Mariano
Acordam em
Plenário no Tribunal Constitucional
Relatório
Um grupo de deputados à Assembleia da
República veio requerer, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, e
na alínea f) do n.º 2, do artigo 281.º, da Constituição da República
Portuguesa, e do n.º 1, dos artigos 51.º e 62.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral,
das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de
dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012), com os seguintes fundamentos:
“I -
Introdução
Tendo em
conta as questões recentemente tratadas pelo Tribunal Constitucional no Acórdão
n.º 396/2011 (Acórdão), que incidiu sobre várias normas da Lei n.º 55-A/2010,
de 15 de novembro (LOE 2011), vão neste requerimento ser tomados em
consideração, em especial, os seguintes aspetos novos, presentes na LOE 2012,
ora em causa:
a) São
adotadas medidas de “suspensão do pagamento” de subsídios de férias e de Natal”
(não pagamento, à partida de âmbito plurianual, sem perspetiva de reposição),
mantendo-se as medidas de “redução remuneratória” consagradas na LOE 2011, que
o TC considerou representarem “reduções significativas”(Acórdão).
b) O
universo pessoal abrangido pelas medidas de “suspensão” abrange agora, diferentemente
do que acontecia com a “redução”, aposentados e reformados;
c) No
âmbito dos reformados e aposentados agora abrangidos, incluem-se também os do
setor privado, deixando de se estar, portanto, perante medidas apenas
direcionadas para pessoas ligadas ao setor público, muito menos para
“servidores públicos”;
d) Passam a
ser abrangidas pelas “suspensão de pagamento” de subsídios a todas as pessoas
com remunerações iguais ou superiores a €600 mensais e não apenas as que tenham
remunerações iguais ou superiores a €1500, como acontecia nas “reduções”
previstas na LOE 2011;
e) A
cumulação das medidas da Lei do OE 2011, que são mantidas, com aquelas que são
objeto das normas a que se reporta o presente requerimento, leva a que uma
parte das pessoas atingidas possa perder até cerca de 1/4 dos montantes anuais
das suas retribuições e das pensões ou reformas, e isto pelo menos em dois anos
consecutivos, em contraste com o máximo de 10% que o Tribunal Constitucional
estimou no Acórdão; em todos os casos, o valor total agora retirado a cada um
dos atingidos representa, no mínimo, um múltiplo do que acontecia no OE anterior.
f) As
normas da LOE 2012 aqui impugnadas têm o seu prazo de vigência referido
ao que for o período de vigência do Programa de Assistência Económica e
Financeira (PAEF), por sua natureza extensível, e na Lei aqui em causa não foi
assumido o pressuposto da vigência e renovação anual das medidas de “redução”
das remunerações previstas na lei do OE de 2011, pressuposto de que o TC
assumidamente partiu.
II.
Inconstitucionalidade das normas do artigo 21.º
São
inconstitucionais as normas do artigo 21.º da LOE 2012, em primeira linha as
que se extraem dos nos 1, 2 e, consequentemente, todas as demais
daquele preceito, n.º 3 a n.º 9, por violação dos princípios do Estado de
direito democrático (vertente da proteção da confiança), da proporcionalidade
e da igualdade.
A- Violação
do subprincípio da proteção da confiança
1. As
reduções da LO 2011 foram pelo Tribunal Constitucional (TC ou Tribunal) consideradas”
reduções significativas” e geradoras de “frustração de expectativas fundadas”,
“capazes de criarem ou acentuarem dificuldades de manutenção de práticas
vivenciais e de satisfação de compromissos assumidos pelos cidadãos” (Acórdão),
tendo o Tribunal referido expressamente “a intensidade do sacrifício causado às
esferas particulares atingidas pela redução de vencimentos”. Entendeu, no
entanto, nesse caso, o TC que, apesar de tudo, se continham dentro de “limites
do sacrifício”, salvaguardados pelos montantes e pela transitoriedade (“medidas
de caráter orçamental, ou seja, anualmente caducando no termo do ano em curso”,
como se assumiu no Acórdão).
2. As
“suspensões de pagamento” dos subsídios, nas modalidades previstas, quer pelo
forte agravamento, acrescentado e global, dos montantes retirados, quer pelo
alargamento do universo abrangido - que é estendido até aos que auferem 600
euros de remuneração, já não muito longe do salário mínimo nacional – quer
ainda por expressamente se aplicarem, desde já, a todo o período (repete-se,
extensível) por que vier a aplicar-se o Programa de Assistência Económica e
Financeira, ultrapassam aqueles ‘limites de sacrifício” cuja admissão o TC
considerou fazer sentido no nosso ordenamento constitucional.
3. Se
trabalhadores com vencimentos a partir de 600 ou 1100 euros, incluindo trabalhadores
a termo e meros prestadores de serviços (artigo 21.º, n.º 3), expostos já
plenamente às exigências, entretanto também agravadas, do sistema fiscal, não
tivessem as suas expectativas protegidas da imposição de exigências e
sacrifícios adicionais desta amplitude e com este horizonte, a introdução do
critério promissor dos “limites de sacrifício” não teria afinal desempenhado
papel útil.
4. Se mais
não fora, por aplicação de tal critério devem as normas agora em causa ser
consideradas violadoras do princípio constitucional da confiança (arte. 2.º da
CRP).
B. A
violação do princípio da igualdade
5. As
normas do n.º 1 e 2 do artigo 21.º da Lei do OE 2012 violam o princípio da
igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.
6. Esse
princípio é violado na sua dimensão de “igualdade perante a repartição de
encargos públicos”.
7. Não pode
admitir-se uma dualidade de tratamento, agora nítida, entre cidadãos a quem os
sacrifícios são exigidos pelo Estado essencialmente através dos impostos e
outros cidadãos a quem os sacrifícios são exigidos não só por essa via, mas
também, e cumulativamente, de forma continuada, em escalada de montante e
extensão temporal, através da amputação definitiva de partes significativas e
de direitos relevantes que integram, como acontece com outros, a sua
retribuição.
8. Tal não
pode em especial ser admitido quando o diferencial de sacrifício entre ambas as
categorias se amplia (quer no escalão que se inicia nos 600 euros quer no que
se inicia nos 1100 euros), as medidas se desvinculam da anualidade orçamental e
o universo sujeito ao sacrifício adicional agora criado inclui toda a gama de
vínculos, até os meros prestadores de serviços (artigo 21.º, n. 4).
9. Este
âmbito pessoal, tão diversificado, faz com que nos situemos fora da esfera tida
em vista, para efeitos legitimadores, no anterior Acórdão (“Há um esforço
adicional em benefício de todos, em prol da comunidade, que é pedido
exclusivamente aos servidores públicos”).
10. Em
qualquer caso, a aplicação da medida de “suspensão do pagamento” a quem aufira
entre 600 e 1100 mensais (n.º 2 do artigo 21.º), à luz da decisão anterior do
TC, deve ser declarada inconstitucional, porque a tão grande distância das
referências quantitativas julgadas cruciais pelo Tribunal, não se depara com
uma diferença de tratamento em linha com a enorme diferença na condição
económica e social que nesse caso se regista– diferenciação que é reclamada
pelo princípio constitucional da igualdade.
11. De
facto, se uma redução até 10%, sempre acima dos 1500 euros de vencimento, foi
considerada pelo TC, em atenção a precisos parâmetros, ainda nos ‘limites do
sacrifício”, no segmento que vai dos 600 aos 1100 o princípio da igualdade
imporia uma diferença de tratamento que excluiria sempre o recurso ao não
pagamento de um dos subsídios, sem perspetiva de retorno, pelo menos por dois
anos consecutivos.
12. Como
disse o Tribunal, “o princípio da igualdade determina que se trate de forma
igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da
diferença. Ora a situação das pessoas que auferem remunerações mais baixas é
diferente da situação das pessoas que auferem remunerações mais altas. E é
diferente muito em especial para efeitos de redução salarial. De facto, os
efeitos negativos de uma redução salarial sentem-se de forma mais intensa
naqueles que auferem remunerações mais baixas do que naqueles que percebem
remunerações mais elevadas”
13.
Adicionalmente, não pode deixar também de se suscitar perante o Tribunal o
tratamento diferente de situações que são iguais, como é o caso de alguns
trabalhadores de organismos públicos que, mercê do seu estatuto de
independência, ficarão, por opção do OE 2012 imunes à “suspensão de pagamento”.
C. A
violação do princípio da proporcionalidade
14. As
normas do n.º 1 e 2 do artigo 21.º da LOE 2012 violam o princípio da proporcionalidade
- um dos princípios que segundo a nossa Constituição devem ser observados nas
operações de ponderação de bens, interesses e valores constitucionalmente
tutelados (v. arte. 2.º 18.º, n.º 2, 19.º, nos 4 e 8, 266.º, n.º 2,
272.º, n.º 2, da CRP).
15. Há
violação do princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade, uma vez
que o legislador dispunha de meios ou soluções alternativas globalmente menos
drásticas.
16. Através
de uma simples opção de caráter quantitativo, podemos comparar entre a medida
escolhida que concentra um certo sacrifício num número restrito, com a
consequência de algumas pessoas poderem sofrer um sacrifício dos seus
rendimentos que pode atingir uma percentagem próxima dos 25%, e medidas
alternativas que poderiam alargar o universo abrangido, em termos de
destinatários, fontes de rendimentos, ou, em particular, outras proveniências,
com destaque para as reduções de despesa a obter, em termos passíveis de
especificação quantificada no OE, por específicas reformas nas estruturas do
setor público e reengenharia do procedimento público.
17. Se
fossem tidos em conta os valores da Constituição Portuguesa, não poderia ter-se
optado por uma medida que sacrifica intoleravelmente um numero restrito de
pessoas, devendo procurar-se uma que atingisse menos intoleravelmente um número
mais alargado ou, preferencialmente e com alívio destas, outras proveniências
e rubricas do lado da despesa, sobre as quais tanto tem incidido o discurso
político e tão omisso, ou inexpressivo, é a LOE 2012.
III - Da
inconstitucionalidade das normas do artigo 25.º
18. Os
argumentos que se desenvolveram nos parágrafos anteriores em relação às normas
do artigo 21.º valem mutatis mutandis para as normas do artigo 25.º da Lei do
OE de 2012, particularmente as dos n.ºs 1, 2, 3 e 4 e, consequentemente, para
as demais normas desse preceito, desde já se deixando invocada a violação dos
princípios da igualdade e da proporcionalidade, em termos análogos.
No caso
19.
Acrescem, todavia, fundamentos próprios para a declaração de inconstitucionalidade
das normas do artigo 25.º, decorrentes da violação dos princípios do Estado de
Direito e da igualdade e do direito à segurança social.
A. A
violação do princípio do Estado de direito democrático (art. 2.º da CRP)
20.
Conforme resume o Tribunal no Acórdão, “a proteção da confiança traduz a incidência
subjetiva da tutela da segurança jurídica, representando ambas, em conceção
consolidadamente aceita, uma exigência indeclinável (ainda que não
expressamente formulada) de realização do princípio do Estado de direito
democrático (artigo 2.º da CRP).”
21. Para
que uma situação de confiança seja merecedora de tutela, à luz do subprincípio
da proteção da confiança, o Tribunal Constitucional, ao longo de um percurso de
mais de 20 anos, consolidou um entendimento sobre os requisitos cumulativos.
22. Diz o
Tribunal Constitucional: «(Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional
da «confiança» é necessário, (1) em primeiro lugar, que o Estado (mormente o
legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados
«expectativas» de continuidade; (ii) depois, devem tais expectativas ser
legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii) em terceiro lugar,
devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade
do «comportamento» estadual; (iv) por último, é ainda necessário que não
ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não
continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa» (aditámos os
números, para melhor identificação).
23. Embora
isso não avulte na jurisprudência do Tribunal Constitucional português, não
pode afastar-se a consideração de situações de tutela ou proteção reforçada da
confiança.
24. Isto é,
situações em que por os requisitos (i), (ii) e (iii) – os requisitos relativos
às expectativas dos particulares – estarem preenchidos de forma qualificada, se
exija também que as razões de interesse público que justificam a não
continuidade do comportamento do Estado sejam especialmente qualificadas, ou,
por outras palavras, excecionalíssimas, quer na substância, quer no caráter
absolutamente inesperado.
25. Ora, no
caso vertente dos subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações idênticas
pagos a aposentados, reformados, pré-aposentados e outros equiparados (art.
25., n.º 1, da LOE 2012), os requisitos (i), (ii) e (iii) mostram-se
preenchidos de um modo especialmente qualificado.
26. Tendo
aliás em conta que estas decisões do legislador não se limitam a atingir os
futuros aposentados, reformados, pré-aposentados e outros equiparados, mas
atingem de imediato os atuais aposentados, reformados, pré-aposentados e outros
equiparados.
27.
Primeiro, porque existiram recentemente – e já nas circunstâncias críticas que
atravessamos – comportamentos capazes de gerar nos privados renovadas
«expectativas» de continuidade, sendo tais expectativas, por conseguinte não
apenas legítimas e fundadas em boas razões, mas legítimas e fundadas em
qualificadas e recentes razões.
28. Entre
várias, recordem-se as declarações do atual Primeiro-Ministro, pouco antes das
eleições legislativas, em Bruxelas, em 24 março de 2011. Noticiava então o
despacho da Lusa: «O líder do PSD, Passos Coelho, assumiu hoje em Bruxelas o
“compromisso” de não proceder a cortes salariais ou das pensões se tiver
necessidade de “mexer nos impostos”, mas admitiu uma subida do IVA. Falando à
entrada de uma cimeira do Partido Popular Europeu (PPE), Pedro Passos Coelho,
questionado sobre as notícias de que o PSD pensa evitar cortes nas reformas
através de uma subida do IVA, escusou-se a entrar em detalhes, alegando que a
oposição desconhece a real situação financeira do país, mas confirmou que, a
ter de haver ajustamentos, será nos impostos sobre o consumo. “Até haver um
conhecimento completo da situação financeira portuguesa, não é possível a
nenhum responsável dizer que não será necessário mexer nos impostos. Mas se
ainda vier a ser necessário algum ajustamento, a minha garantia é de que seria
canalizado para os impostos sobre o consumo, e não para impostos sobre o
rendimento das pessoas”, disse. O líder do PSD garantiu mesmo que, desde já,
“fica o compromisso expresso do PSD em como não haverá recurso a medidas que
afetem as pensões mais degradadas ou as reformas, tal como estava previsto no
Programa de Estabilidade e Crescimento”. “Portanto, a haver algum ajustamento
que seja necessário fazer, será mais por via dos impostos sobre o consumo do
que do rendimento das pessoas através dos impostos ou através de cortes
salariais ou das pensões”, reforçou.»
29. Este
despacho da Lusa é descarregável em http://noticias.
pt.msn.com/politica/article.aspx?cp-documentid=156665761.
30. O mesmo
se diga em relação a declarações no mesmo sentido, abundantemente passadas nos
media, em que se excluía o corte do 13 mês e se considerava essa hipótese, em
si, “um disparate”.
31. Em
relação ao requisito ou teste (iii), para sabermos se estamos perante um preenchimento
qualificado, há designadamente que fazer uma distinção entre estar ou não o
destinatário da medida em condições de alterar os seus “planos de vida” face a
uma alteração do comportamento do Estado (em particular quando esta é uma
alteração-surpresa, assumida contra tão recente factum proprium).
32. Esta
distinção é de crucial importância uma vez que não poderá deixar de se entender
que deve haver uma proteção reforçada da confiança para aqueles que pura e
simplesmente já não têm possibilidade de adaptar os seus planos de vida a um
novo comportamento do Estado e portanto só podem esperar do Estado – de um
Estado “de bem” – que este não altere o seu comportamento.
33. Ora,
essa é a situação dos aposentados e reformados, os quais, salvo exceções muito
circunscritas, não têm possibilidade de escolher, como é óbvio, quais são ou
serão os seus planos de vida: não podem decidir se adquirem mais ou menos
qualificações, qual a profissão que exercem, se no setor público ou privado, se
permanecem em Portugal ou emigram, se trabalham por conta de outrem ou própria,
se enveredam pelo empreendedorismo, se vivem nesta ou naquela localidade, se
adquirem ou não habitação própria, se fazem ou não poupanças, se têm um modo de
vida mais ou menos desafogado, se consomem mais isto ou aquilo, se gastam mais
ou menos em medicamentos, etc.
34. Para
esses, os “planos de vida” estão em regra inexoravelmente traçados. Resta-lhes
simplesmente confiar que o Estado não os inviabilize, em termos que significarão,
muitas vezes, uma inevitável condenação a uma vida de dificuldades que já não
têm condições para enfrentar e vencer. Para esses não se trata apenas “de
reduções significativas, capazes de gerarem ou acentuarem dificuldades de
manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de compromissos assumidos”
(Acórdão); pode tratar-se disso e da completa, absoluta e incontornável
impossibilidade de adaptarem o seu plano de vida a um novo quadro.
35. A
proteção reforçada de confiança em situações de expectativas qualificadas tem
uma repercussão inevitável ao nível da operação de ponderação ou balanceamento
que o teste ou requisito (iv) exige, uma vez que implica que o interesse
público que justifica a não tutela da confiança seja incomensuravelmente mais
pesado do que nos casos em que não tenha de haver uma proteção reforçada da
confiança.
36.
Pretende-se com isto argumentar que mesmo que o Tribunal entendesse - o que não
se espera – que as reduções de remunerações e as suspensões de subsídios de
férias e de Natal de pessoas no ativo, em valores que podem atingir ¼ dos
rendimentos anuais dessas pessoas, não violam o princípio da confiança, por
haver interesses públicos que, transitoriamente, o justificam, essa conclusão
não pode ser aplicada da mesma forma em relação aos reformados e aposentados.
37. Como se
disse acima, aqui o interesse público justificador da alteração do comportamento
do Estado tem de ser especialmente qualificado: para além de incontroverso,
terá de ser excepcionalíssimo, não antecipável, não resolúvel de outro modo.
38. Ora,
como mostra o debate político, em que se envolveram as mais altas figuras do
Estado, incluindo a próprio Presidente da República, esta medida está muito
longe de ser justificada ou justificável desse modo.
39. Pelo que
requerem a declaração da inconstitucionalidade das normas do artigo 25.º da Lei
do OE 2012, n.º 1, n.º 2 e seguintes, por violação do princípio do Estado de
direito democrático, na vertente da proteção da confiança.
B. A
violação do princípio da igualdade
40. Para
além do acima aduzido a propósito do artigo 21.º, sobre a violação do princípio
da igualdade, que se aplica também ao artigo 25.º, há razões adicionais para a
declaração da inconstitucionalidade das normas deste preceito por violação do
princípio da igualdade.
41. Como já
se recordou, o Tribunal indicou no Acórdão, como fio unificador das categorias
sujeitas à redução de remunerações, dois traços aglutinadores: (i) auferirem
aquelas categorias retribuições mensais pagas por dinheiros públicos; (ii)
estarem vinculadas à prossecução do interesse público. O TC falou mesmo num
“esforço adicional pedido exclusivamente aos servidores públicos”.
42. Ora,
estes dois critérios, que são o fundamento por que o Tribunal entendeu que no
caso não se verificava violação do princípio da igualdade, falecem no caso dos
subsídios de férias e de Natal de aposentados e reformados.
43. Quando
o art. 25.º, n.º 1 e n.º 2, determina a aplicação da suspensão dos
subsídios de férias e de Natal a aposentados e reformados, do setor público e
do setor privado (expressões que utilizamos por facilidade de expressão), o
segundo traço aglutinador cai por terra, porque é óbvio que nem aposentados nem
reformados podem ser identificados por um especial vínculo à prossecução do
interesse público - nem abarcados, de qualquer modo, pelo conceito de “servidor
público”
44. Olhando
para o primeiro traço aglutinador, não parece possível sustentar que as
retribuições das pessoas que trabalham no setor público sejam iguais às
pensões.
45. Na
verdade, as primeiras são cobertas pelos impostos dos contribuintes e por
outras receitas. Diversamente, as pensões, apesar de serem pagas por organismos
públicos e de as respetivas verbas estarem inscritas em orçamentos públicos,
resultam de contribuições de pessoas que, por assim dizer, as colocam nas mãos
daqueles organismos para serem geridas e depois devolvidas na forma de pensões.
Não estamos assim perante dinheiros públicos como os que resultam dos impostos
e são empregues nas remunerações de quem serve os organismos públicos.
46. Não se
vislumbra, assim, qualquer critério material que justifique a sujeição destas
categorias de pessoas a esta diminuição dos seus rendimentos e não se regista
também qualquer outra medida de caráter equivalente que seja aplicada a outras
pessoas, designadamente as que estão no ativo.
47. A
ausência de um critério material que justifique a diferenciação é especialmente
visível quando comparamos o tratamento dado aos trabalhadores do setor privado
que já estão reformados ou aposentados e o tratamento dado aos trabalhadores do
setor privado que ainda estão no ativo.
48. O que
distingue os reformados/pensionistas do setor privado, dos trabalhadores ativos
do setor privado, é que os primeiros já pagaram as suas contribuições,
recebendo agora a respetiva pensão de acordo com o que contribuíram, enquanto
os segundos estão a pagar para vir a receber a pensão correspondente.
49. Ora,
daqui não parece decorrer nenhum critério material constitucionalmente legítimo
que justifique o tratamento desigual dos primeiros em relação aos segundos,
pelo que esse tratamento se deve ter por discriminatório à luz do art. 13.º da
CRP.
C. Violação
do direito à segurança social
50. As
normas acima identificadas do artigo 25.º, n.º 1 e 2, restringem, sem qualquer
credencial constitucional e de forma desproporcionada, o direito à segurança
social (art. 63.º da CRP) de alguns portugueses, sendo certo que, apesar de não
estarmos perante um direito sistematicamente inserido no Capítulo constitucional
dedicado aos direitos, liberdades e garantias, qualquer restrição deve observar
as várias dimensões em que se desdobra o princípio da proporcionalidade.
Pelo
exposto, os Deputados abaixo identificados, nos termos conjugados do artigo
281º, n.º 2, alínea f), da Constituição da República Portuguesa e dos artigos
51.º e 62, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro, (com as alterações
introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de
setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
fevereiro) vêm, por este meio, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração
de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas dos nos
1 e 2 do artigo 21.º (e, consequentemente dos restantes números do mesmo) e dos
n.os 1 e 2 do artigo 25.º (e, consequentemente dos restantes números
do mesmo artigo) da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.
Notificada para se pronunciar,
querendo, sobre o pedido formulado, a Presidente da Assembleia da República
veio oferecer o merecimento dos autos.
Discutido em Plenário o memorando
apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo
63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir
em harmonia com o que então se estabeleceu.
Fundamentação
1. O teor das normas questionadas é o
seguinte:
Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro
(Orçamento do Estado para 2012)
Artigo 21.º
Suspensão
do pagamento de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes
1 - Durante
a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), como
medida excecional de estabilidade orçamental é suspenso o pagamento de
subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º
e, ou, 14.º meses, às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º
55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.os 48/2011, de
26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, cuja remuneração base mensal seja
superior a € 1100.
2 - As
pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de
dezembro, alterada pelas Leis n.os 48/2011, de 26 de agosto, e
60-A/2011, de 30 de novembro, cuja remuneração base mensal seja igual ou
superior a € 600 e não exceda o valor de € 1100, ficam sujeitas a uma redução
nos subsídios ou prestações previstos no número anterior, auferindo o montante
calculado nos seguintes termos: subsídios/prestações = 1320 – 1,2 X remuneração
base mensal.
3 – O
disposto nos números anteriores abrange todas as prestações, independentemente
da sua designação formal, que, direta ou indiretamente, se reconduzam ao
pagamento dos subsídios a que se referem aqueles números, designadamente a
título de adicionais à remuneração mensal.
4 – O
disposto nos n.os 1 e 2 abrange ainda os contratos de prestação de
serviços celebrados com pessoas singulares ou coletivas, na modalidade de
avença, com pagamentos mensais ao longo do ano, acrescidos de uma ou duas
prestações de igual montante.
5 – O
disposto no presente artigo aplica-se após terem sido efetuadas as reduções
remuneratórias previstas no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de
dezembro, alterada pelas Leis n.os 48/2011, de 26 de agosto, e
60-A/2011, de 30 de novembro, bem como do artigo 23.º da mesma lei.
6 – O
disposto no presente artigo aplica-se aos subsídios de férias que as pessoas
abrangidas teriam direito a receber, quer respeitem a férias vencidas no início
do ano de 2012 quer respeitem a férias vencidas posteriormente, incluindo
pagamentos de proporcionais por cessação ou suspensão da relação jurídica de
emprego.
7 – O
disposto no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, ao subsídio
de Natal.
8 – O
disposto no presente artigo aplica -se igualmente ao pessoal na reserva ou
equiparado, quer esteja em efetividade de funções quer esteja fora de
efetividade.
9 – O
regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excecional,
prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em
contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e
contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.
Artigo 25.º
Suspensão
de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes de aposentados e reformados
1 - Durante
a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental, é
suspenso o pagamento de subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações
correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, pagos pela CGA, I.P., pelo Centro
Nacional de Pensões e, diretamente ou por intermédio de fundos de pensões
detidos por quaisquer entidades públicas, independentemente da respetiva
natureza e grau de independência ou autonomia, e empresas públicas, de âmbito
nacional, regional ou municipal, aos aposentados, reformados, pré-aposentados
ou equiparados cuja pensão mensal seja superior a € 1100.
2 - Os
aposentados cuja pensão mensal seja igual ou superior a € 600 e não exceda o
valor de € 1100, ficam sujeitos a uma redução nos subsídios ou prestações
previstos no número anterior, auferindo o montante calculado nos seguintes
termos: subsídios/prestações = 1320 – 1,2 X pensão mensal.
3 – Durante
a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental, o valor
mensal das subvenções mensais, depois de atualizado por indexação às
remunerações dos cargos políticos considerados no seu cálculo, é reduzido na
percentagem que resultar da aplicação dos números anteriores às pensões de
idêntico valor anual.
4 – O
disposto no presente artigo aplica-se sem prejuízo da contribuição
extraordinária prevista no artigo 162.º da Lei n.º 55 -A/2010, de 31 de
dezembro, alterada pelas Leis n.os 48/2011, de 26 de agosto, e
60-A/2011, de 30 de novembro.
5 – No caso
das pensões ou subvenções pagas, diretamente ou por intermédio de fundos de
pensões detidos por quaisquer entidades públicas, independentemente da
respetiva natureza e grau de independência ou autonomia, e empresas públicas,
de âmbito nacional, regional ou municipal, o montante relativo aos subsídios
cujo pagamento é suspenso nos termos dos números anteriores deve ser entregue
por aquelas entidades na CGA, I. P., não sendo objeto de qualquer desconto ou
tributação.
6 – O
regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excecional,
prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em
contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e
contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos,
admitindo como única exceção as prestações indemnizatórias correspondentes,
atribuídas aos deficientes militares abrangidos, respetivamente, pelos
Decretos-Leis n.os 43/76, de 20 de janeiro, 314/90, de 13 de
outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 248/98, de 11 de agosto, e
250/99, de 7 de julho.
As pessoas referidas
no n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas
Leis n.ºs 48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, que foram
abrangidas pela medida de suspensão do pagamento de subsídios de férias e de
Natal ou prestações equivalentes, decretada pelo transcrito artigo 21.º, da Lei
n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, são as seguintes:
a) O
Presidente da República;
b) O
Presidente da Assembleia da República;
c) O
Primeiro -Ministro;
d) Os
Deputados à Assembleia da República;
e) Os
membros do Governo;
f) Os
juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o
Procurador-Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados
do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos
julgados de paz;
g) Os
Representantes da República para as regiões autónomas;
h) Os
deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
i) Os
membros dos governos regionais;
j) Os
governadores e vice-governadores civis;
l) Os
eleitos locais;
m) Os
titulares dos demais órgãos constitucionais não referidos nas alíneas
anteriores, bem como os membros dos órgãos dirigentes de entidades
administrativas independentes, nomeadamente as que funcionam junto da
Assembleia da República;
n) Os
membros e os trabalhadores dos gabinetes, dos órgãos de gestão e de gabinetes
de apoio, dos titulares dos cargos e órgãos das alíneas anteriores, do
Presidente e Vice -Presidente do Conselho Superior da Magistratura, do
Presidente e Vice -Presidente do Conselho Superior dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do
Presidente e juízes do Tribunal Constitucional, do Presidente do Supremo
Tribunal Administrativo, do Presidente do Tribunal de Contas, do Provedor de
Justiça e do Procurador -Geral da República;
o) Os
militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os
juízes militares e os militares que integram a assessoria militar ao Ministério
Público, bem como outras forças militarizadas;
p) O pessoal
dirigente dos serviços da Presidência da República e da Assembleia da
República, e de outros serviços de apoio a órgãos constitucionais, dos demais
serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, bem
como o pessoal em exercício de funções equiparadas para efeitos remuneratórios;
q) Os
gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos,
deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos
estatutários dos institutos públicos de regime geral e especial, de pessoas
coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua
integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, das empresas
públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas
empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e
municipal, das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas;
r) Os
trabalhadores que exercem funções públicas na Presidência da República, na
Assembleia da República, em outros órgãos constitucionais, bem como os que
exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de
emprego público, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º e nos n.ºs
1, 2 e 4 do artigo 3.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada
pelas Leis n.ºs 64 -A/2008, de 31 de dezembro, e 3 -B/2010, de 28 de abril,
incluindo os trabalhadores em mobilidade especial e em licença extraordinária;
s) Os
trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas coletivas
de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas
áreas de regulação, supervisão ou controlo;
t) Os
trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente
público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o
setor empresarial regional e municipal, com as adaptações autorizadas e
justificadas pela sua natureza empresarial;
u) Os
trabalhadores e dirigentes das fundações públicas e dos estabelecimentos
públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;
v) O
pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de
efetividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos
vencimentos do pessoal no ativo.
2. Do conteúdo destes preceitos conclui-se que o Orçamento de
Estado para 2012 veio suspender total ou parcialmente o pagamento dos subsídios
de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou,
14.º meses, quer para pessoas que auferem remunerações salariais de entidades
públicas, quer para pessoas que auferem pensões de reforma ou aposentação
através do sistema público de segurança social, estabelecendo que tal medida,
qualificada como excecional, terá a duração do período de vigência do Programa
de Assistência Económica e Financeira (PAEF).
Este Programa implicou a satisfação
de determinadas condições prévias por parte das autoridades portuguesas e é
constituído por um conjunto de instrumentos jurídicos, os quais foram
aprovados, por um lado, pelo Governo Português e, por outro lado, pelo Conselho
Executivo do Fundo Monetário Internacional, bem como pelo Governo Português e
pela Comissão Europeia (em nome da União Europeia) e pelo Banco Central
Europeu. Assim, entre o Governo Português e o Fundo foram aprovados um
memorando técnico de entendimento, assim como um memorando de políticas
económicas e financeiras, os quais estabelecem as condições da ajuda
financeira a Portugal por parte do Fundo Monetário Internacional. Além disso,
entre o Governo Português e a União Europeia foi assinado o memorando de
entendimento relativo às condicionalidades específicas de política económica,
adotado com referência ao Regulamento do Conselho (UE) n.º 407/2010, de 11 de
maio de 2010, que estabelece o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira,
em especial o artigo 3.º, n.º 5, do mesmo, o qual descreve as condições gerais
da política económica tal como contidas na Decisão de Execução do Conselho n.º
2011/344/UE, de 17/5/2011, sobre a concessão de assistência financeira a
Portugal.
Estes memorandos são vinculativos
para o Estado Português, na medida em que se fundamentam em instrumentos
jurídicos – os Tratados institutivos das entidades internacionais que neles
participaram, e de que Portugal é parte – de Direito Internacional e de
Direito da União Europeia, os quais são reconhecidos pela Constituição, desde
logo no artigo 8.º, n.º 2. Assim, o memorando técnico de entendimento e
o memorando de políticas económicas e financeiras baseia-se no artigo V,
Secção 3, do Acordo do Fundo Monetário Internacional, enquanto o memorando
de entendimento relativo às condicionalidades específicas de política
económica se fundamenta, em última análise, no artigo 122.º, n.º 2, do
Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Tais documentos impõem a
adoção pelo Estado Português das medidas neles consignadas como condição do
cumprimento faseado dos contratos de financiamento celebrados entre as mesmas
entidades.
Da leitura destes memorandos, assim
como da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 5 de maio de 2011 (publicada no Diário da República, II
Série, de 17 de maio de 2011), resulta que, na
sequência de tal Programa, Portugal deve adotar um conjunto de medidas e de
iniciativas legislativas, inclusivamente de natureza estrutural, relacionadas
com as finanças públicas, a estabilidade financeira e a competitividade, as
quais deverão ocorrer durante um período de 3 anos.
Apesar de estes memorandos não
preverem a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou de
quaisquer prestações equivalentes, como os artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro, remetem para o período de vigência do PAEF a
duração da suspensão de pagamentos neles decretada, tal medida não pode deixar
de ter, pelo menos, a duração de 3 anos, abrangendo os anos de 2012, 2013 e
2014.
Esta suspensão do pagamento dos
subsídios de férias de Natal vai afetar as pessoas acima elencadas que auferem
remunerações salariais de entidades públicas ou pensões de reforma ou
aposentação através do sistema público de segurança social de valor superior a
€600,00.
Para os rendimentos mensais ilíquidos
entre €600,00 e €1100,00 o legislador introduziu duas fórmulas de igual
conteúdo ("subsídios/prestações = 1320 – 1,2 X remuneração base
mensal" e "subsídios/prestações = 1320 – 1,2 X pensão mensal")
que implicam, na prática, a imposição de uma redução progressiva do rendimento
anual ilíquido até 14,3%.
A ablação da totalidade dos subsídios
de férias e de Natal ou de quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e,
ou, 14.º meses, recai sobre as pessoas que aufiram remunerações ou pensões
superiores a €1100,00 mensais. O não pagamento, na totalidade, dos subsídios,
que se aplica às pessoas com rendimentos mensais superiores a €1100,00,
corresponde percentualmente a uma redução de 14,3% do montante anual das
remunerações salariais e das pensões de reforma ou
aposentação.
Esta ablação é cumulada com as
prévias reduções já impostas no ano anterior pelos artigos 19.º, 23.º e 162.º,
da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.os
48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, que o artigo 20.º,
n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento de Estado para 2012)
manteve em vigor no presente ano.
Ou seja, no que respeita às pessoas
que auferiam, no final de 2010, no quadro do setor público, remunerações
ilíquidas mensais superiores a €1500,00, o não pagamento do subsídio de férias
e de Natal, acresce a uma redução percentual da sua remuneração salarial mensal
que varia entre 3,5% e 10%, nos seguintes termos:
a) 3,5 % sobre o valor total das
remunerações superiores a €1500,00 e inferiores a €2000,00;
b) 3,5 % sobre o valor de €2000,00,
acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os €2000,00,
perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das
remunerações iguais ou superiores a €2000,00 até €4165,00;
c) 10 % sobre o valor total das
remunerações superiores a €4165,00.
E, relativamente às pessoas que auferem
pensões, cujo montante exceda 12 vezes o indexante dos apoios sociais (IAS), a
ablação dos subsídios de férias ou de prestações equivalentes, acresce à
contribuição extraordinária de solidariedade imposta pelo artigo 162.º, da Lei
n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo artigo
20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, com os seguintes
valores:
a) 25 % sobre o montante que exceda
12 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS), mas que não ultrapasse
18 vezes aquele valor;
b) 50 % sobre o montante que
ultrapasse 18 vezes o IAS.
Há ainda que tomar em consideração
que foi adotada em 2010, 2011 e 2012 uma política de congelamento dos salários
do setor público, e nos dois últimos anos das pensões, cuja manutenção nos anos
seguintes se encontra prevista nos memorandos que consubstanciam o PAEF, o
que, conjugado com o fenómeno da inflação, resulta numa redução real desses
salários e pensões equivalente às taxas de inflação verificadas nesse período.
Já relativamente a medidas de
natureza universal, adotadas no capítulo das receitas, que tenham uma ação
direta de diminuição dos rendimentos dos cidadãos, resultando numa contribuição
acrescida para o esforço de consolidação orçamental, a Lei n.º 64-B/2011, de 30
de dezembro (Orçamento de Estado para 2012), além de diversas alterações no
regime de cálculo do imposto sobre os rendimentos de pessoas singulares,
designadamente no domínio dos benefícios fiscais e no valor de algumas taxas,
como medida excecional, apenas fez incidir sobre os sujeitos passivos com
rendimentos mais elevados pertencentes ao último escalão uma taxa adicional de
2,5 % sobre o respetivo rendimento coletável, a qual vigorará nos anos de 2012
e 2013 (artigo 68.º-A). Num sentido oposto, o legislador, para os anos de 2012
a 2014, optou por não repetir a imposição de uma sobretaxa extraordinária de
3,5% sobre os rendimentos sujeitos a IRS, como havia feito no ano de 2011,
através da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, a qual teve uma previsão de acréscimo
de receita de €840 milhões, em 2011, e €185 milhões em 2012, nem criar um novo
imposto específico extraordinário, como forma de cumprir os limites do défice
público a que se vinculou nos memorandos de entendimento acordados com as
entidades financiadoras, através do contributo de todos os cidadãos de acordo
com as suas capacidades. Preferiu atuar, sobretudo, pelo lado da despesa, suspendendo
por um período de três anos o pagamento dos subsídios de férias e de Natal a
quem os aufere por verbas públicas.
3. No Relatório do Orçamento de Estado para 2012
justificou-se a adoção da medida de suspensão do pagamento dos subsídios de
férias e de Natal ou de prestações equivalentes a quem recebe remunerações ou
pensões pelo Orçamento do Estado nos seguintes termos:
“Tendo como
base as perspetivas orçamentais para 2011 e o atual enquadramento
macrofinanceiro, a proposta do Orçamento do Estado para 2012 materializa um
conjunto de medidas de consolidação orçamental com vista a garantir a
sustentabilidade das contas públicas num contexto de grande exigência, o
controlo da despesa em todas as áreas da Administração Pública, a monitorização
rigorosa dos riscos orçamentais e o cumprimento dos limites definidos no
Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF).
As medidas
propostas e sumariadas na tabela abaixo incidem em grande parte sobre a despesa
pública (mais de 2/3) tendo inerentes cortes transversais a toda Administração
Pública, incluindo institutos públicos, Administração Local e Regional e Setor
Empresarial do Estado. O cumprimento da meta para o défice em 2012 torna também
necessário proceder a um ajustamento pela via fiscal, tal como aliás já
previsto no próprio programa.
O PAEF
impõe um limite para o défice orçamental das Administrações Públicas, numa
ótica de contabilidade nacional, de 7.645 milhões de euros em 2012 (equivalente
a 4,5% do PIB), cujo cumprimento é condição necessária para garantir os desembolsos
associados ao Programa e, portanto, para impedir a interrupção do financiamento
da economia portuguesa.
Para
atingir tal objetivo, a proposta de orçamento materializa um esforço de
consolidação orçamental com medidas que totalizam um impacto esperado na ordem
dos 6% do PIB quando comparado com um cenário das políticas invariantes, i.e., cerca
de 2.4 p.p. acima do previsto no PAEF. A estratégia de consolidação orçamental
incorpora, assim, medidas de contenção da despesa que vão além das incluídas no
PAEF de forma a compensar, de forma permanente, o desvio de execução orçamental
verificado, essencialmente, no primeiro semestre de 2011.
Parte deste
desvio foi já explicado no Documento de Estratégia Orçamental, designadamente
no que diz respeito às despesas com o pessoal, ao consumo intermédio, à receita
não fiscal, à inclusão de efeitos de natureza temporária, como sejam a assunção
da dívida de duas empresas da Região Autónoma da Madeira e a operação relacionada
com a privatização do BPN, bem como a medidas incluídas no Orçamento para 2011
cujo impacto estava sobrestimado ou cuja implementação se veio a demonstrar
impossível.
O trabalho
técnico subjacente à preparação da proposta de Orçamento do Estado para 2012
permitiu obter informação significativamente mais detalhada para 2011 referente
a todas as entidades incluídas no perímetro das Administrações Públicas. No que
se refere, em particular, ao Setor Empresarial do Estado e à Administração
Local a referida informação revelou a existência de desvios no primeiro
semestre superiores aos reportados no Documento de Estratégia Orçamental.
Os desvios
encontrados e a meta estabelecida para 2012 justificam, assim, o nível de
ambição das medidas propostas.
Com efeito,
uma medida como a suspensão dos subsídios de férias e de Natal aos servidores
do Estado é ditada pela urgente necessidade de corrigir os desequilíbrios
orçamentais e o profundo agravamento das finanças públicas, e só se justifica
por ser absolutamente necessária para assegurar as metas muito exigentes a que
Portugal se vinculou e para preservar a manutenção e sustentabilidade do Estado
Social e garantir o financiamento da economia portuguesa. A adoção destas
medidas foi ainda modulada pela preocupação de prevenir uma onerosidade social
excessiva. Para os orçamentos familiares, alternativas de reduções
remuneratórias que implicassem uma diminuição dos montantes que a cada mês
fazem face às despesas dos agregados seriam certamente mais penalizadoras e de
muito mais difícil gestão. Por isso a suspensão dos subsídios de férias e de
Natal é socialmente mais admissível e menos onerosa, não afastando a mais-valia
que a estabilidade remuneratória mensal proporciona.
O facto de
os portugueses nas últimas eleições legislativas terem manifestado um apoio
inequívoco ao cumprimento dos objetivos assumidos no contexto do PAEF, através
de uma votação global de 80% nos partidos subscritores do acordo com a UE e
FMI, demonstra estarem conscientes da situação do País e da necessidade
incontornável de fortes ajustamentos ao nível geral.
Não ignora
o Governo que se trata de um peso que recai diretamente sobre as pessoas com
uma relação de emprego público, não tendo uma natureza universal.
Mas a
verdade é que embora sendo múltiplas as medidas de contenção de despesa pública
adotadas pelo Governo, ainda assim os desvios subsistem com uma magnitude que
não podem senão ser corrigidos por uma medida transversal sobre uma rubrica tão
relevante para a consolidação orçamental como é a da despesa com pessoal. As
alternativas, ou são social e economicamente piores ou simplesmente não são
eficazes para garantir as necessidades.
O esforço
do lado da receita atingiu já os limites do sustentável, e é da imperiosa
combinação com um acentuado esforço do lado da despesa nos seus segmentos de
maior expressão, que será possível corrigir os desequilíbrios.
Acresce que
não é de facto igual a situação de quem tem uma relação de emprego público e os
outros trabalhadores.
Nem no
plano qualitativo dos direitos e garantias, que são superiores, nem no plano
quantitativo das remunerações, subsistindo na sociedade portuguesa uma diferenciação
média remuneratória, com alguma expressão, entre os setores públicos e o
privado. Num contexto de emergência nacional com elevado nível de desemprego, a
segurança no emprego constitui um valor inestimável que, na ponderação dos bens
tutelados, se sobrepõe às expectativas de intocabilidade do quantum
remuneratório, sobretudo atendendo a que os trabalhadores do setor público
beneficiam em média, quando comparado com trabalhadores com qualificações
idênticas no setor privado, de retribuições superiores.
A presente
proposta de orçamento tem também a preocupação de ser transversal, abrangendo
todos, mas garantindo simultaneamente a proteção dos mais vulneráveis. Numa
situação de crise e emergência social não é possível excluir nenhuma corporação
ou grupo social de dar o seu contributo para o ajustamento. Daí a necessidade
de medidas abrangentes que têm efeitos sobre salários, pensões e outras prestações
sociais bem como de aumento de impostos com maior incidência sobre os rendimentos
mais elevados e sobre o património”.
O mesmo Relatório indica, no
quadro II.1.1., a previsão dos montantes globais de redução da despesa com
pessoal e prestações sociais que resultam desta medida: face a 2011, os cortes
salariais na administração pública permitirão reduzir a despesa em €1800
milhões, e os cortes nas pensões permitirão uma redução da despesa de €1260,2
milhões. Esta previsão de resultados é ilíquida, não contemplando a diminuição
da receita do IRS e das contribuições para a Segurança Social que tal suspensão
de pagamentos automaticamente irá originar. O quadro II.3.1. do mesmo
Relatório, que já inclui as previsões dos resultados líquidos destas reduções,
refere uma poupança líquida em 2012 de €1065 milhões, em resultado das reduções
salariais, e de €951,5 milhões, em resultado do corte nas pensões.
As razões apresentadas para se adotar
a medida contida nas normas aqui sob fiscalização assentam, primordialmente, na
necessidade de cumprimento dos limites do défice orçamental (4,5% do PIB em
2012), imposto nos memorandos acima mencionados, os quais condicionam a
concretização dos empréstimos faseados acordados com a União Europeia e com o
Fundo Monetário Internacional, garantindo assim o imprescindível financiamento
do Estado português. Invocando-se os desvios verificados na execução orçamental
de 2011, optou-se por recorrer a medidas adicionais que, não estando previstas
no PAEF consubstanciado naqueles memorandos, permitissem corrigir de forma
permanente aqueles desvios. Nessas medidas, avulta a suspensão do pagamento dos
subsídios de férias e de Natal ou de prestações equivalentes a quem recebe
remunerações ou pensões no quadro do setor público, durante a vigência do
PAEF. Apesar de se reconhecer que tal opção redundava num significativo
sacrifício apenas para as pessoas com uma relação de emprego público, não
tendo, portanto, uma natureza universal, entendeu-se que a necessidade de atuar
no lado da despesa, designadamente na rubrica das despesas com pessoal, devido
ao esforço do lado da receita já ter atingido os limites da sustentabilidade,
conjugada com a eficácia de tal medida na obtenção dos resultados pretendidos,
exigia essa escolha.
Numa outra linha de fundamentação,
invocou-se que não era igual a situação de quem tem uma relação de emprego
público e os outros trabalhadores, uma vez que aqueles, em média, têm
remunerações superiores e usufruem de uma maior segurança no emprego, o que
justificaria o acréscimo de sacrifício exigido.
4. Previamente à abordagem da questão de constitucionalidade
suscitada pelos Requerentes, convém referir que os subsídios de férias e
de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses,
cujo pagamento foi objeto de suspensão pelo artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011,
de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), não revestem, no essencial,
natureza diversa das remunerações salariais que foram objeto da redução
determinada pelo artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento
do Estado para 2011).
Com efeito, atualmente, tanto o
subsídio de férias como o de Natal, quer no regime jurídico do direito privado,
quer no do direito público, têm a natureza de retribuição, isto é, de
contrapartida ligada ao trabalho prestado, integrando a remuneração anual.
No que respeita aos trabalhadores que
exercem funções públicas, esta natureza foi reconhecida, desde logo, no
Decreto-Lei n.º 372/74, de 20 de agosto, que instituiu, com caráter de
obrigatoriedade, o subsídio de Natal, e criou o subsídio de férias. Conforme
resulta do preâmbulo desse diploma, teve-se em vista, com o mesmo, aumentar “substancialmente os
vencimentos do funcionalismo público civil”, cujo poder de compra havia sido fortemente abalado pela
evolução dos preços nos anos anteriores. Ainda de acordo com o referido
preâmbulo, esse aumento foi efetuado “segundo um esquema de aumentos
degressivos em valor absoluto”, bem como com a instituição, com caráter de
obrigatoriedade legal, do 13.º mês (subsídio de Natal) e com a criação do
subsídio de férias (cujo valor era, então, equivalente a metade da remuneração
mensal).
Atualmente, a ideia de que estes
subsídios constituem parte da “remuneração anual”, resulta claramente do
artigo 70.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece
os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que
exercem funções públicas, o qual dispõe que “A remuneração base
anual é paga em 14 mensalidades, correspondendo uma delas ao subsídio de Natal
e outra ao subsídio de férias, nos termos da lei.”
Daí que a suspensão do pagamento do
subsídio de férias e de Natal se traduza numa redução percentual do rendimento
anual das pessoas afetadas, tal como sucede com os cortes salariais
determinados pelo artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro
(Orçamento do Estado para 2011) e que o artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento de Estado para 2012) manteve em vigor
no presente ano, representando, da mesma forma, uma diminuição dos seus meios
de subsistência.
De forma idêntica devem ser encarados
os subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos
13.º e, ou, 14.º meses, pagos por verbas públicas aos aposentados, reformados e
pré-aposentados, os quais mais não são do que prestações complementares, com a
mesma natureza das prestações mensais pagas a estas pessoas, caracterizadas por
uma periodicidade distinta, mas que se integram no cômputo global anual da
pensão.
A opção pela suspensão do pagamento
destes subsídios e não por uma parte das prestações pagas no final de cada mês
deveu-se apenas, nas palavras do Relatório do Orçamento de Estado para 2012, à
preocupação em salvaguardar a mais-valia que a estabilidade
remuneratória mensal proporciona, dado que alternativas de reduções
remuneratórias que implicassem uma diminuição dos montantes que a cada mês
fazem face às despesas dos agregados seriam certamente mais penalizadoras e de
muito mais difícil gestão.
5. Os Requerentes, além de outros argumentos, invocam que as
normas questionadas violam o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º
da Constituição, na sua dimensão de “igualdade perante a repartição de
encargos públicos”. Alegam que a medida imposta pelas normas impugnadas se
traduz numa dualidade de tratamento, ao estabelecer uma distinção entre
cidadãos a quem os sacrifícios são exigidos pelo Estado essencialmente através
dos impostos e outros cidadãos a quem os sacrifícios são exigidos não só por
essa via, mas também, e cumulativamente, através da ablação de partes
significativas dos seus direitos à retribuição e à pensão de reforma e
aposentação.
O princípio da igualdade na
repartição dos encargos públicos, enquanto manifestação específica do princípio
da igualdade, constitui um necessário parâmetro de atuação do legislador. Este
princípio deve ser considerado quando o legislador decide reduzir o défice
público para salvaguardar a solvabilidade do Estado. Tal como recai sobre todos
os cidadãos o dever de suportar os custos do Estado, segundo as suas capacidades,
o recurso excecional a uma medida de redução dos rendimentos daqueles que
auferem por verbas públicas, para evitar uma situação de ameaça de incumprimento,
também não poderá ignorar os limites impostos pelo princípio da igualdade na
repartição dos inerentes sacrifícios. Interessando a sustentabilidade das
contas públicas a todos, todos devem contribuir, na medida das suas
capacidades, para suportar os reajustamentos indispensáveis a esse fim.
É indiscutível que, com as medidas
constantes das normas impugnadas, a repartição de sacrifícios, visando a
redução do défice público, não se faz de igual forma entre todos os cidadãos,
na proporção das suas capacidades financeiras, uma vez que elas não têm um
cariz universal, recaindo exclusivamente sobre as pessoas que auferem
remunerações e pensões por verbas públicas. Há, pois, um esforço adicional, em
prol da comunidade, que é pedido exclusivamente a algumas categorias de
cidadãos.
O Tribunal Constitucional
pronunciou-se recentemente no Acórdão n.º 396/11, proferido em 21 de setembro
de 2011 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), sobre a
constitucionalidade das reduções remuneratórias constantes do artigo 19.º, da
Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2011), as quais se
mantém no presente ano de 2012, como acima se referiu, proferindo um juízo de
não inconstitucionalidade. Nesse aresto, o Tribunal, não deixou de confrontar
essas reduções salariais com o princípio da igualdade, na dimensão invocada
pelos Requerentes, tendo concluído que “o não prescindir-se de uma redução de
vencimentos, no quadro de distintas medidas articuladas de consolidação
orçamental, que incluem também aumentos fiscais e outros cortes de despesas
públicas, apoia-se numa racionalidade coerente com uma estratégia de atuação
cuja definição cabe ainda dentro da margem de livre conformação política do
legislador. Intentando-se, até por força de compromissos com instâncias
europeias e internacionais, conseguir resultados a curto prazo, foi entendido
que, pelo lado da despesa, só a diminuição de vencimentos garantia eficácia
certa e imediata, sendo, nessa medida, indispensável. Não havendo razões de
evidência em sentido contrário, e dentro de “limites do sacrifício”, que a
transitoriedade e os montantes das reduções ainda salvaguardam, é de aceitar
que essa seja uma forma legítima e necessária, dentro do contexto vigente, de
reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio
orçamental. Em vista deste fim, quem recebe por verbas públicas não está em
posição de igualdade com os restantes cidadãos, pelo que o sacrifício adicional
que é exigido a essa categoria de pessoas – vinculada que ela está, é oportuno
lembrá-lo, à prossecução do interesse público - não consubstancia um tratamento
injustificadamente desigual”.
Entendeu-se que o recurso a uma
medida como a redução dos rendimentos de quem aufere por verbas públicas como
meio de rapidamente diminuir o défice público, em excepcionais circunstâncias
económico-financeiras, apesar de se traduzir num tratamento desigual,
relativamente a quem aufere rendimentos provenientes do setor privado da
economia, tinha justificações que a subtraíam à censura do princípio da
igualdade na repartição dos encargos públicos, uma vez que essa redução ainda
se continha dentro dos “limites do sacrifício”.
É inegável que no atual contexto uma
medida deste tipo tem, desde logo, uma razão justificativa que é a sua eficácia
nos resultados a curto prazo, ao nível da redução do défice público, sendo
certo que, de momento, na situação em que o país se encontra e tendo em conta
os compromissos internacionais assumidos, essa redução do défice se apresenta
como um objetivo prioritário de política económica e financeira. Ora, não
oferece dúvidas que tal medida, efetivamente, permite uma redução segura e
imediata de despesas fixas com pensões e remunerações do setor público que
possibilitam uma poupança certa e garantida para os cofres do Estado, embora
também não possa ser ignorado que ela igualmente determina automaticamente uma
diminuição da receita do IRS e das contribuições para a Segurança Social e tem
efeitos recessivos no consumo interno, com a consequente diminuição
generalizada das receitas públicas.
O Relatório do Orçamento de Estado
para 2012 acrescenta ainda que "não é […] igual a situação de quem
tem uma relação de emprego público e os outros trabalhadores" e invoca
essencialmente duas razões: os trabalhadores do Estado e outras entidades
públicas beneficiam em média de retribuições superiores às do setor privado e
têm uma maior garantia de subsistência do vínculo laboral.
Deve, no entanto, afirmar-se que a
diferença de níveis de remuneração não pode ser avaliada apenas em termos
médios, pois os tipos de trabalho e de funções que são exercidos no setor
público não são de modo nenhum necessariamente iguais aos do setor privado.
Assim, essa diferença de remunerações médias teria de se demonstrar em face de
cada tipo de atividade comparável, sendo certo que há funções muito específicas,
incluindo funções de soberania, que só ao Estado e demais entidades públicas
competem. Além disso, uma comparação tendo como critério a simples média do
valor dos rendimentos auferidos nos dois setores, seria sempre insuficiente
para justificar uma discriminação nos cortes dos rendimentos concretamente
auferidos por cada um dos afetados.
No que respeita à alegação da maior
garantia de subsistência do vínculo laboral, apesar de ainda ser possível
dizer-se que, na generalidade, se verifica uma maior segurança no emprego
público, esse dado não é idóneo para justificar qualquer diferenciação na
participação dos cidadãos, através de uma ablação de parte dos seus rendimentos,
nos encargos com a diminuição do défice público, como meio de garantir a
sustentabilidade financeira do Estado, num período de emergência. Essa
participação é exigível apenas àqueles que atualmente auferem rendimentos
capazes de suportar tal contributo, sendo irrelevante para a medida dessa
capacidade um valor como o da segurança no emprego.
Em qualquer destes planos, o que
releva considerar é que a suspensão dos subsídios de férias e de Natal afecta
individualmente os trabalhadores do sector público em função do respectivo
nível remuneratório, sendo indiferente, do ponto de vista da onerosidade da
medida, que as remunerações globalmente consideradas na Administração Pública
sejam superiores às que são auferidas pelos trabalhadores do sector privado ou
que estes se encontrem em situação mais desfavorável no que se refere à
garantia de empregabilidade.
Por outro lado, a possível extensão
da medida à generalidade dos trabalhadores – que está subjacente à argumentação
adoptada no Relatório do Orçamento de Estado para 2012 – só afectaria aqueles
que se encontram em situação de pleno emprego e na proporção dos rendimentos
efectivamente auferidos. O que significa que as ponderações feitas pelo
legislador não evidenciam uma situação de desigualdade que pudesse justificar a
implementação da medida somente em relação a uma categoria de trabalhadores, mas,
quando muito, apenas poderiam determinar que o Estado viesse a arrecadar uma
maior receita no sector público relativamente ao mesmo universo de
trabalhadores que fossem correspondentemente abrangidos no sector privado.
Subsiste, pois, como razão justificativa
para o tratamento diferenciado dos que auferem remunerações e pensões do
Orçamento do Estado apenas a eficácia das medidas adotadas na obtenção de um
resultado de inegável e relevante interesse público.
Na verdade, é defensável que a opção
tomada se revela particularmente eficaz, pela sua certeza e rapidez na produção
de efeitos, numa perspetiva de redução do défice a curto prazo, pelo que ela se
mostra coerente com uma estratégia de atuação, cuja definição cabe
dentro da margem de livre conformação política do legislador.
Nestes termos, poderá concluir-se que
é certamente admissível alguma diferenciação entre quem recebe por verbas
públicas e quem atua no setor privado da economia, não se podendo considerar,
no atual contexto económico e financeiro, injustificadamente discriminatória
qualquer medida de redução dos rendimentos dirigida apenas aos primeiros.
Mas, obviamente, a liberdade do
legislador recorrer ao corte das remunerações e pensões das pessoas que
auferem por verbas públicas, na mira de alcançar um equilíbrio orçamental,
mesmo num quadro de uma grave crise económico-financeira, não pode ser
ilimitada. A diferença do grau de sacrifício para aqueles que são atingidos por
esta medida e para os que não o são não pode deixar de ter limites.
Na verdade, a igualdade jurídica é
sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada pela
diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. A
dimensão da desigualdade do tratamento tem que ser proporcionada às razões que
justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva.
Como se pode ler nos acórdãos n.º
39/88 e 96/05, deste Tribunal (acessíveis em tribunalconstitucional.pt): A igualdade
não é, porém igualitarismo. É antes igualdade proporcional. Exige que se
tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações
substancialmente desiguais se dê tratamento desigual, mas proporcionado.
Isto significa que temos de verificar
se os quantitativos cujo pagamento é suspenso pelo disposto nos artigos 21.º e
25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento de Estado para 2012),
num "critério de evidência" no controlo da igualdade proporcional,
não são excessivamente diferenciadores, face às razões que se admitiram como
justificativas de uma redução de rendimentos apenas dirigida aos cidadãos que
os auferem por verbas públicas.
Para este juízo é necessário
relembrar e pesar os sacrifícios impostos pelas normas sob fiscalização a quem
aufere remunerações ou pensões por verbas públicas.
Do seu conteúdo resulta que os
pensionistas e os trabalhadores do setor público com rendimentos ilíquidos
situados entre €600,00 a €1100,00 terão uma redução do seu rendimento anual que
aumentará progressivamente até 14,3%. Estamos num universo em que a exiguidade
dos rendimentos já impõe tais provações que a exigência de um sacrifício
adicional deste tipo, como seja a sua redução, numa percentagem que vai
progressivamente aumentando, até atingir 14,3% do rendimento anual, tem um peso
excessivamente gravoso.
Os demais pensionistas e os que
auferem remunerações ilíquidas entre €1100,00 e €1500,00 terão uma diminuição
do seu rendimento anual em 14,3%, a qual, neste universo, assume uma dimensão
considerável quando se compara a sua situação com a daqueles que, com o mesmo
nível de rendimentos, ou até superior, não são afectados com qualquer redução
dos mesmos. Não se esqueça, no que toca às pensões mais elevadas, que naquelas
que excedem 12 vezes o valor do indexante dos apoios sociais, o montante excedente
é reduzido em 25%, e quando ultrapassam em 18 vezes aquele valor a redução é de
50%.
E para os que auferem remunerações
ilíquidas superiores a €1500,00, a redução é também de 14,3% do seu rendimento
anual. Ora, se o Tribunal Constitucional, no referido Acórdão n.º 396/11, neste
mesmo universo, perante a redução salarial ocorrida no ano de 2011, determinada
pelo artigo 19.º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que se situou entre
3,5% e 10% do rendimento anual, entendeu que a transitoriedade e os montantes
das reduções efetuadas nos rendimentos dos funcionários públicos se continham
ainda dentro dos limites do sacrifício adicional exigível, o acréscimo de nova
redução, agora de 14,3% do rendimento anual, mais do que triplicando, em média,
o valor das reduções iniciais, atinge um valor percentual de tal modo elevado
que o juízo sobre a ultrapassagem daquele limite se revela agora evidente.
Estas medidas terão uma duração de
três anos (2012 a 2014), o que determinará a produção de efeitos cumulativos e
continuados dos sacrifícios ao longo deste período, a que acresce o
congelamento dos salários e pensões do setor público, verificado nos anos de
2010, 2011 e 2012, e cuja manutenção nos anos seguintes se encontra prevista
nos memorandos que consubstanciam o PAEF, o que, conjugado com o fenómeno da
inflação, resulta numa redução real desses salários e pensões equivalente às
taxas de inflação verificadas em todos esses anos.
Ora, nenhuma das imposições de
sacrifícios descritas tem equivalente para a generalidade dos outros cidadãos
que auferem rendimentos provenientes de outras fontes, independentemente dos
seus montantes.
A diferença de tratamento é de tal
modo acentuada e significativa que as razões de eficácia da medida adotada na
prossecução do objetivo da redução do défice público para os valores apontados
nos memorandos de entendimento não tem uma valia suficiente para justificar a
dimensão de tal diferença, tanto mais que poderia configurar-se o recurso a
soluções alternativas para a diminuição do défice, quer pelo lado da despesa
(v.g., as medidas que constam dos referidos memorandos de entendimento), quer
pelo lado da receita (v.g. através de medidas de carácter mais abrangente e
efeito equivalente à redução de rendimentos). As referidas soluções, podendo
revelar-se suficientemente eficientes do ponto de vista da realização do
interesse público, permitiriam um desagravamento da situação daqueles outros
contribuintes que auferem remunerações ou prestações sociais pagas por verbas
públicas.
Daí que seja evidente que o diferente
tratamento imposto a quem aufere remunerações e pensões por verbas públicas
ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade
proporcional.
Apesar de se reconhecer que estamos
numa gravíssima situação económico-financeira, em que o cumprimento das metas
do défice público estabelecidas nos referidos memorandos de entendimento é
importante para garantir a manutenção do financiamento do Estado, tais
objetivos devem ser alcançados através de medidas de diminuição de despesa
e/ou de aumento da receita que não se traduzam numa repartição de sacrifícios
excessivamente diferenciada.
Aliás, quanto maior é o grau de
sacrifício imposto aos cidadãos para satisfação de interesses públicos,
maiores são as exigências de equidade e justiça na repartição desses
sacrifícios.
A referida situação e as necessidades
de eficácia das medidas adoptadas para lhe fazer face, não podem servir de
fundamento para dispensar o legislador da sujeição aos direitos fundamentais e
aos princípios estruturantes do Estado de Direito, nomeadamente a parâmetros
como o princípio da igualdade proporcional. A Constituição não pode certamente
ficar alheia à realidade económica e financeira e em especial à verificação de
uma situação que se possa considerar como sendo de grve dificuldade. Mas ela
possui uma específica autonomia normativa que impede que os objetivos
económicos ou financeiros prevaleçam, sem quaisquer limites, sobre parâmetros
como o da igualdade, que a Constituição defende e deve fazer cumprir.
Deste modo se conclui que as normas
que preveem a medida de suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de
Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, quer
para pessoas que auferem remunerações salariais de entidades públicas, quer
para pessoas que auferem pensões de reforma ou aposentação através do sistema
público de segurança social, durante os anos de 2012 a 2014, violam o princípio
da igualdade, na dimensão da igualdade na repartição dos encargos públicos,
consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Por esta razão devem ser declaradas
inconstitucionais as normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), tornando-se
dispensável o seu confronto com outros parâmetros constitucionais invocados
pelos Requerentes.
Apesar de a situação específica dos
reformados e aposentados se diferenciar da dos trabalhadores da Administração
Pública no activo, sendo possível quanto aos primeiros convocar diferentes
ordens de considerações no plano da constitucionalidade, em face da suficiência
do julgamento efectuado, tendo por parâmetro o princípio da igualdade, tal tarefa mostra-se igualmente prejudicada.
6. Estas medidas de suspensão do pagamento de remunerações e
de pensões inserem-se, como ficou aludido, no quadro de uma política
económico-financeira, tendente à redução do défice público a curto prazo, de
modo a dar cumprimento aos limites (4,5% do PIB em 2012) impostos nos
memorandos acima mencionados, os quais condicionam a concretização dos
empréstimos faseados acordados com a União Europeia e com o Fundo Monetário
Internacional.
Sendo essencial para o Estado
Português, no atual contexto de grave emergência, continuar a ter acesso a
este financiamento externo, o cumprimento de tal valor orçamental revela-se,
por isso, um objetivo de excecional interesse público.
Ora, encontrando-se a execução
orçamental de 2012 já em curso avançado, reconhece-se que as consequências da
declaração de inconstitucionalidade acima anunciada, sem mais, poderiam
determinar, inevitavelmente, esse incumprimento, pondo em perigo a manutenção
do financiamento acordado e a consequente solvabilidade do Estado. Na verdade,
o montante da poupança líquida da despesa pública que se obtém com a medida de
suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou prestações
equivalentes a quem aufere por verbas públicas, assume uma dimensão relevante
nas contas públicas e no esforço financeiro para se atingir a meta traçada,
pelo que dificilmente seria possível, no período que resta até ao final do
ano, projetar e executar medidas alternativas que produzissem efeitos ainda em
2012, de modo a poder alcançar-se a meta orçamental fixada.
Estamos, pois, perante uma situação
em que um interesse público de excepcional relevo exige que o Tribunal
Constitucional restrinja os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nos
termos permitidos pelo artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, não os aplicando à
suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer
prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de
2012.
Decisão
Pelos fundamentos expostos:
a) Declara-se a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio
da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República
Portuguesa, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º
64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012).
b) Ao abrigo do disposto no artigo
282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, determina-se que os
efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão
do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações
correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.
Lisboa, 5 de julho de 2012.- João
Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro – Maria João
Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – Catarina Sarmento e Castro (com
declaração, quanto ao efeitos) – Carlos Pamplona de Oliveira (vencido
quanto à alínea b), nos termos da declaração junta) – J. Cunha Barbosa
(com declaração de voto quanto aos efeitos) – Vítor Gomes (Vencido,
quanto à al. a) da decisão, nos termos da declaração anexa). – Maria Lúcia
Amaral (vencida, quanto à alínea a) da decisão, nos termos da declaração
anexa) – Rui Manuel Moura Ramos (Vencido, quanto à alínea a) da decisão,
nos termos da declaração anexa).
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei a inconstitucionalidade
das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de
dezembro (Orçamento do Estado para 2012), que suspenderam, total ou
parcialmente, o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer
prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, quer para pessoas que
auferem remunerações salariais de entidades públicas, quer para pessoas que
auferem pensões de reforma ou de aposentação através do sistema público de segurança
social.
Contudo, divergi quanto ao alcance
da restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
2. Ao fundamentar tal opção,
começo por colocar a questão dos efeitos de uma declaração de
inconstitucionalidade naquele que é, a meu ver, o seu devido lugar: recuso,
terminantemente, que a qualquer decisão de inconstitucionalidade se possa
assacar o incumprimento de objetivos que uma qualquer opção normativa
inconstitucional visasse atingir. Um incumprimento de tais propósitos,
independentemente das circunstâncias, não é, nunca, resultado de uma decisão do
Tribunal Constitucional. Qualquer frustração de objetivos, a acontecer,
derivaria, quando muito, da solução normativa (ab initio) inconstitucional,
resultado de opções feitas por outros órgãos constitucionais aos quais deve
caber a preocupação de, quando assumem um determinado caminho que será o seu,
fazê-lo no respeito da Constituição. Este Tribunal, no exercício das
competências que a Constituição lhe defere, apenas aprecia e declara a inconstitucionalidade
de normas que não cria, e sempre quando acionado por quem tem legitimidade
processual.
3. Nos termos do artigo 284.º da
Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória
geral, produz, habitualmente, efeitos desde a entrada em vigor da norma
declarada inconstitucional. Significa que, no caso, os efeitos regra da decisão
não se limitariam a salvaguardar o futuro pagamento dos subsídios (ou
equivalente) de 2013 e 2014, como acarretariam, ainda, o direito ao pagamento
(ainda que atrasado) dos subsídios de férias cujo pagamento fora já suspenso em
2012, e o pagamento do subsídio de Natal de 2012 (ou prestações equivalentes).
4. De acordo com o juízo
maioritário, decidiu-se restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade,
limitando-os à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal de
2013 e de 2014.
Ora, afastei-me do âmbito
delineado pela maioria para a produção de efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, por entender que estes só não deveriam aplicar-se aos
subsídios que, devendo ter sido pagos, não o houvessem sido no momento da
decisão de inconstitucionalidade (o subsídio de férias de 2012, ou
equivalente). No caso, não se deveria permitir que a norma, agora declarada
inconstitucional, ainda viesse a produzir efeitos para além do momento da
decisão deste Tribunal. Na prática, a decisão maioritária, quanto à produção de
efeitos, tolera também, por razões que explica, a suspensão do pagamento dos
subsídios de Natal de 2012 (ou equivalente), ainda que a considere
inconstitucional.
5. É o n.º 4 do artigo 282.º da
Constituição que confere ao Tribunal Constitucional a possibilidade de fixar os
efeitos da declaração de inconstitucionalidade com um alcance mais restrito do
que o resultante do n.º 1 do mesmo preceito, desde que tal seja justificado por
razões relacionadas com a segurança jurídica, equidade ou interesse público de
excecional relevo.
Ora, parece-me ilógico - não
havendo o Acórdão atendido, a meu ver, bem, ao argumento do excecional
interesse público da execução das medidas tendentes à redução do défice, para
justificar, sem outras considerações, a concreta solução em análise - que deva
esse argumento ser esgrimido para, afinal, branquear a sua ablação ou redução
em todo o ano que ainda corre.
Na verdade, não tenho para mim
como demonstrado que o facto de se encontrar a execução orçamental de 2012 já
em curso, - e tanto mais que está apenas no início o segundo semestre do ano -
inviabilizasse a adoção atempada de outras medidas universais alternativas que
contribuíssem para o objetivo da garantia da solvabilidade das contas públicas.
Mesmo tendo como seguro que não é ao Tribunal Constitucional que cabe qualquer
opção nesta matéria, difícil será obnubilar que outras soluções legislativas
foram anteriormente operacionalizadas de modo a contribuir com rapidez para a
redução do défice, facto que, inevitavelmente, tem de ser ponderado em juízos
de necessidade relativos a medidas posteriormente adotadas.
E ainda que, em contradição de
argumentos, se reconhecesse que um interesse público de excecional relevo
justificaria, para todo o ano de 2012, a não produção de efeitos da decisão de
inconstitucionalidade deste Tribunal, a meu ver, tal implicaria aceitar-se, num
juízo de ponderação, que uma solução legislativa que o Tribunal Constitucional
considerou constitucionalmente gravosa não teria, afinal, no ano que corre,
suficiente peso para aqueles que a sofrem. Ora, não posso, de modo algum,
subscrevê-lo. Por um lado, porque o que levou à decisão de
inconstitucionalidade, que votei favoravelmente, foi admitir-se que nem mesmo
as circunstâncias excecionais atualmente vividas permitem, à luz da
Constituição, justificar uma situação fortemente inigualitária de ablação ou
redução dos subsídios de férias e de Natal, imposta apenas aos que auferem
remunerações salariais de entidades públicas, ou recebem pensões de reforma ou
aposentação através do sistema público de segurança social, obrigando-os
a um desmesurado sacrifício, em prol da comunidade. Por outro lado, atendendo
ao variado leque de situações abrangidas pelas normas, é-me difícil aceitar que
se tolere, durante todo o ano de 2012, o que para alguns casos será,
certamente, um pesadíssimo sacrifício, sacrifício esse, não se esqueça, determinado
por uma medida agora reconhecidamente inconstitucional.
6. Por estas razões, a meu ver,
admitir-se-ia, quando muito, que, como vinha acontecendo noutras situações, o
Tribunal Constitucional pudesse restringir os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade de modo a evitar situações que implicassem o pagamento
(retroativo) dos subsídios que tivessem já ficado por pagar (férias 2012 ou
equivalente), fazendo coincidir o início da produção de efeitos da declaração
de inconstitucionalidade com o momento da decisão. Tal solução sempre deixaria
intocado o subsídio de Natal de 2012, o que, na opção de restrição adotada pela
maioria no Tribunal, não acontece.
I.e., admitindo-se que a fixação
de eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade (desde o momento
da emissão da norma) pudesse, in casu, ter consequências consideravelmente
pesadas para o Orçamento - ao obrigar ao pagamento de subsídios em atraso -,
deveria este Tribunal determinar a fixação de efeitos temporais meramente
prospetivos (ex nunc). Em suma, a solução equilibrada seria, a meu ver, ressalvar,
da declaração de inconstitucionalidade que agora se opera, somente os efeitos
produzidos pelas normas até à publicação do presente acórdão.
Lisboa, 5 de julho de 2012
Catarina Sarmento e Castro
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Em meu entender, a Constituição protege especialmente o
sistema de segurança social, no qual inclui o regime de pensões de proteção da
velhice e invalidez, "independentemente do setor de atividade em que tiver
sido prestado" – artigo 63º, em especial o seu n.º 4. Isso significa que,
em princípio, a redução do montante das pensões já fixadas é proibida,
por representar uma restrição a um direito constitucionalmente garantido. Ainda
assim, em caso de emergência nacional é possível suspender esse direito,
embora por um período limitado, até "ao pronto restabelecimento da
normalidade constitucional" (n.º 4 do artigo 19º da Constituição). Ora a
verificação de uma situação de emergência nacional levaria a considerar outros
cortes na despesa do Estado, designadamente, as decorrentes de cerimoniais e de
despesas de representação protocolar, antes de reduzir o montante das pensões
de proteção da velhice e invalidez.
2. Nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 282º da Constituição, o
julgamento do Tribunal Constitucional que declara a inconstitucionalidade com
força obrigatória geral, como é o caso presente, "produz efeitos desde a
entrada em vigor da norma declarada inconstitucional", a menos que
fundamentadas razões de interesse público de excecional relevo exijam
que o efeito da declaração de inconstitucionalidade tenha alcance mais
restrito.
O Governo não estava impedido de
apresentar ao Tribunal Constitucional as suas razões quanto à não
inconstitucionalidade das normas em causa.
Não o fez.
Para além disso, precavendo a
hipótese de julgamento adverso, teria até o dever de invocar, se as
houvesse, as razões de excecional interesse público que, em seu
entender, imporiam uma restrição dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade.
Também não o fez.
Perante tais omissões, o Tribunal
não pode afirmar – com a segurança e o rigor que lhe são exigidos – que há
razões de excecional interesse público que impõem uma restrição dos
efeitos do seu julgamento, pois fá-lo com base na mera suposição do
"perigo" de insolvabilidade do Estado como decorrência da normal
vigência dos efeitos do seu julgamento, circunstância que, como se viu, não foi
sequer invocada pelo órgão a quem cabe, em primeira linha, a defesa de um tal
interesse.
Não acompanhei, por isso, a restrição
de efeitos decidida pelo Tribunal. - Carlos Pamplona de Oliveira.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei favoravelmente o acórdão, quanto à
sua fundamentação e decisão, no que concerne à declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral relativamente às normas dos
artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do
Estado para 2012).
Porém, no que se refere à decisão de
restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, discordo
parcialmente da mesma, por entender que, de acordo com o disposto no artigo
282º, n.º 4 da Constituição, tal restrição não poderá ir para além da
publicitação da declaração de inconstitucionalidade alcançada, posição esta
que, já adotada em anterior jurisprudência deste Tribunal, vem sendo afirmada
pela maioria da doutrina (cf., por todos, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
'in' Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4ª edição
revista, pág. 979, nota VIII, que afirmam que «... [a) restrição temporal
dos efeitos da declaração tem necessariamente um limite absoluto - que é
o da publicitação oficia! da decisão -, pois, se se compreende
que sejam salvaguardados os efeitos produzidos enquanto não estava estabelecida
publicamente a inconstitucionalidade (ou ilegalidade) da norma, é
manifestamente incompatível com a própria ideia da declaração de
inconstitucionalidade (ou da ilegalidade) que uma norma continue a produzir
eleitos após a publicação oficial da decisão que a declare inconstitucional ou
ilegal «com força obrigatória geral» …).
Assim, mau grado compreender a
argumentação subjacente ao decidido quanto a tal matéria, não acompanho a
decisão na sua totalidade, por entender, como se deixou já afirmado supra, que
a restrição temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade deveria
verificar-se tão só até à sua publicitação, razão pela qual voto vencido quanto
ao decidido relativamente a essa pane da decisão, apenas a acompanhando,
portanto, em parte, por entender que os efeitos normais de tal declaração,
salvaguardando-se os já produzidos até então, deveriam verificar-se a partir da
data da publicação de tal declaração de inconstitucionalidade.- J. Cunha
Barbosa.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Divergi da decisão expressa na alínea
a) da decisão do presente Acórdão pelas seguintes razões essenciais:
1. As medidas em apreciação foram
adotadas para vigorar durante a vigência do PAEF, com a natureza de “medidas
excecional de estabilidade orçamental”. Não pode, porém, ignorar-se que a
questão do défice orçamental, com os seus problemas nacionais específicos, se
coloca em contexto de crise económica-financeira de maior abrangência que
atingiu a chamada “dívida soberana” no âmbito da “zona Euro”. Como se ponderou
no Acórdão n.º 396/2011: “É sabido que a atuação, em combate ao défice, pelo
lado da receita (privilegiadamente fiscal), ou, antes, pelo lado da despesa
(bem como a combinação adequada dos dois tipos de medidas e a seleção das que,
de entre eles, merecem primazia) foi (e continua a ser) objeto de intenso
debate político e económico. E a divergência de orientações e de propostas tem
como pano de fundo a não coincidência dos efeitos produzidos por uma ou outra
categoria de medidas. Ainda que um acréscimo de receitas fiscais possa
conduzir, no estrito plano contabilístico-financeiro, a ganhos pecuniários
equivalentes aos resultantes de um corte de despesas, do ponto de vista dos
concomitantes efeitos colaterais e das repercussões globais no sistema
económico-social, está longe de ser indiferente seguir uma ou outra via. Não há,
nesta matéria, variáveis neutras e rigorosamente intermutáveis, pelo que as
políticas a implementar pressupõem uma ponderação complexa, em que se busca um
máximo de eficácia, quanto ao objetivo a atingir, e um mínimo de lesão, para
outros interesses relevantes”. Para essas opções, construídas em prognoses de
base instável e de difícil consenso, está constitucionalmente legitimado o
legislador democrático, só podendo os órgãos de justiça constitucional, na
falta de parâmetro específico, censurar à luz dos princípios da igualdade ou da
confiança o que seja manifestamente indefensável segundo as máximas da
proporcionalidade.
Ora, se é indiscutível que as medidas
agora tomadas são muito mais gravosas do que aquelas que foram apreciadas no
Acórdão 396/2011, também é certo que o legislador orçamental foi chamado a
responder imediatamente a uma situação de crise das finanças públicas que se
agravara drásticamente. No contexto de emergência financeira em que o Orçamento
do Estado para 2012 teve de ser elaborado, resultante da impossibilidade
prática de financiamento do Estado (lato sensu) mediante emissão de dívida e da
consequente necessidade de recorrer a mecanismos internacionais de apoio em que
a libertação de fundos é condicionada à verificação do cumprimento das metas
estabelecidas, não pode o Tribunal afirmar que o legislador dispusesse, no
momento da elaboração e aprovação do Orçamento para 2012, de alternativas que
tivessem, perante a necessidade urgente de redução do défice orçamental a curto
prazo, efeitos económico-financeiros similares ou aproximados dos da suspensão
de pagamento dos subsídios de férias e de Natal e prestações equivalentes. Seja
a redução da despesa por via da diminuição de outros encargos diversos das
remunerações e pensões de reforma e aposentação, seja o aumento das receitas,
que em termos realistas não se vê que pudesse deixar de ser por via fiscal, não
apresentam efeitos tão imediatos e seguros na redução do défice orçamental a
curto prazo. A redução da despesa por via de uma diminuição de outras despesas
que não com remunerações e pensões de reforma e aposentação é possível, a
prazo, mas dependerá de medidas estruturais de efeito não imediato ou de
medidas de execução orçamental de efeito não totalmente garantido. No que
respeita ao aumento dos impostos, não pode desconhecer-se que estes já foram
objeto de um aumento generalizado (em especial o IRS e o IVA) e que, devido a
fatores vários de ordem económica, a um aumento de tributação nem sempre
corresponde um aumento efetivo de receitas fiscais. Por isso, sendo inegável
que as medidas em causa se apresentam como entorse ao princípio da igualdade de
contribuição para os encargos públicos, me não parece que, relativamente ao
Orçamento de 2012, possa fazer-se um juízo positivo de “diferenciação
desproporcionada” relativamente às pessoas com idêntica capacidade contributiva
para os encargos públicos que retire legitimidade constitucional ao carater não
universal das medidas em causa.
Em última análise, as medidas em
apreço, com a onerosidade que comportam para os seus destinatários, ainda se
subtraem ao juízo de que são excessivas na perspetiva do princípio da igualdade
na repartição dos encargos públicos, tendo em consideração que se apresentaram
como resposta urgente a uma situação de grave e extrema crise das finanças
públicas a que foi necessário fazer face em termos imediatos, reduzindo, logo
no exercício orçamental seguinte, o défice público, de acordo com os
compromissos assumidos no âmbito do PAEF e que, consideradas apenas na sua vigência
para esse ano, o seu montante ainda está no limite do concretamente suportável.
É pois tendo em consideração a necessidade urgente de fazer face a essa
situação-limite de cujo horizonte não estava excluído o risco de cessação de
pagamentos por parte do Estado, com todas as consequências negativas daí
decorrentes para a economia nacional e o cumprimento dos compromissos e tarefas
do Estado social – inclusivamente quanto ao universo dos afetados pelas medidas
consideradas – que não acompanho o juízo de inconstitucionalidade a que o
Tribunal chegou no presente acórdão quanto à violação do princípio da igualdade
do pagamento do subsídio de férias e de Natal no que ao período orçamental de
2012 diz respeito.
2. Diferente tem de ser o juízo a
fazer na parte em que as medidas em causa se destinam a vigorar para um período
que ultrapassa o ano de 2012.
Não se ignora que o programa de
assistência financeira tem caráter plurianual e que a redução do défice é
progressiva e resulta de compromissos internacionais. Mas, estando em causa
medidas de caráter excecional e com tal grau de onerosidade para os direitos
dos seus destinatários e com tão nítida compressão do princípio da igualdade de
contribuição para os encargos públicos, a sua justificação tem de ser apreciada
segundo um rigoroso princípio de atualidade, de acordo com a regra de vigência
anual do orçamento (artigo 106.º, n.º 1, da CRP). Efetivamente, a ponderação da
proporcionalidade envolve considerações que dependem do modo como a situação
económico-financeira evoluir, o que impõe um período de vigência rigorosamente
limitado e uma justificação atual controlável. Se, por um lado, a Constituição
não pode ser interpretada como indiferente ao que ameaça a sustentabilidade
financeira do Estado para que medidas de exceção restritivas de direitos e
expectativas dos cidadãos possam ser adotadas, tem de exigir-se ao legislador
um ónus de fundamentação, nomeadamente em termos de valores previsíveis para as
diversas alternativas possíveis de aumento de receita ou redução de despesa,
que só poderá cumprir-se – e controlar se, ainda que no limite da evidência –
perante específicas circunstâncias económicas e financeiras. As razões que se
aceitou poderem justificar que o legislador não tenha podido encontrar medidas
alternativas no contexto de urgência de elaboração do Orçamento de Estado para
2012 deixam de estar presentes, ou não se apresentam do mesmo modo, ou com a
mesma intensidade para os períodos orçamentais seguintes.
Por outro lado, na perspetiva da
onerosidade para os destinatários, o juízo de proporcionalidade depende não só
da intensidade imediata da afetação dos direitos dos destinatários das medidas,
mas também do caráter cumulativo e continuado dos sacrifícios impostos ao longo
do tempo. O decurso do tempo implica um acréscimo de exigência ao legislador no
sentido de encontrar alternativas que evitem que, com o prolongamento, o
tratamento diferenciado se torne claramente excessivo para quem o suporta.
Deste modo, na parte em que as
medidas adotadas se destinam a vigorar para um período que ultrapassa o
exercício orçamental de 2012, não pode considerar-se que a compressão do
princípio da igualdade que as normas em causa implicam se tenha restringido ao
necessário para fazer face à situação de emergência que as ditou como medidas
excecionais de estabilidade orçamental.
Em conclusão: as normas dos artigos
21.º e 25.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, apenas deveriam ter sido
declaradas inconstitucionais na parte em que a suspensão, nelas estabelecida,
do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações
correspondentes ao 13.º e 14.º mês tem um âmbito de aplicação que excede o
exercício orçamental de 2012.- Vítor Gomes.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. A questão colocada ao Tribunal é uma questão
difícil. A primeira exigência que ela coloca é metódica: para a resolver, é
preciso seguir um caminho argumentativo solidamente ancorado em razões
jurídico-constitucionais. Não vi este caminho ser seguido pela fundamentação
adotada, e por isso me distanciei, desde logo, da posição sufragada pela
maioria.
A meu
ver, o Tribunal deveria ter esclarecido três pontos fundamentais: (i)
qual o estatuto constitucional das posições jurídico-subjetivas afetadas com a
suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal; (ii) qual o
conteúdo do princípio ou princípios constitucionais que poderão justificar a
compressão dessas posições subjetivas; (iii) finalmente, qual o alcance
dos instrumentos de que dispõe o juiz constitucional para resolver a antinomia
existente entre os direitos das pessoas, afetadas pelas medidas orçamentais, e
os princípios constitucionais com elas conflituantes.
2. A Constituição portuguesa protege especialmente o trabalho
e os rendimentos que com ele se aufere. Os direitos e liberdades fundamentais
que consagra são direitos do cidadão enquanto pessoa, enquanto membro da
comunidade política e enquanto trabalhador. No entanto, não pode dizer-se que o
direito à não diminuição do montante da retribuição do trabalho que em cada momento
se aufira tenha o estatuto de direito fundamental, resistente à lei porque
atribuído às pessoas pela Constituição. A razão para tal não está no facto de
esse direito não constar, expressamente, do elenco da parte primeira da
constituição. Pode haver direitos fundamentais não escritos: nenhuma
constituição é um código fechado, ou uma regulamentação exaustiva de todas as
relações entre cidadãos e Estado; não o é também, por isso, a CRP. O motivo
está na impossibilidade de atribuir a tal direito o estatuto substancial de
fundamentalidade. Precisamente por nenhuma constituição poder ser entendida
como um código exaustivo das relações entre cidadãos e Estado, nenhuma, nem tão
pouco a CRP, pode garantir que o quantum da remuneração do trabalho
exista sempre em crescendum e nunca diminua, ao mesmo título a que
garante os direitos e liberdades fundamentais. Aquilo que é fundamental prima
sobre a lei porque resiste a ela, e à variabilidade das circunstâncias
históricas em que ela é feita. O quantum da remuneração que, num dado
momento histórico, se aufere pelo trabalho que se presta ou prestou não está
incluído no núcleo das posições jurídico-subjetivas caracterizadas por este
elemento substancial de invariabilidade ao tempo histórico da lei e às suas
circunstâncias.
3. Não obstante, e porque a Constituição portuguesa protege
especialmente o trabalho e os rendimentos que com ele se aufere, a posição
jurídico-subjetiva das pessoas a não verem diminuídas esses mesmos rendimentos
(através da ablação, pelo Estado, de uma percentagem significativa do seu
montante), tem a forte proteção constitucional que decorre, i.a, dos
artigos 58.º e 63.º (e também 62.º) da CRP. O facto de o direito à não
diminuição do montante que se recebe pela remuneração do trabalho não ser, em
si mesmo, um direito oponível à lei (porque fundamental) não significa que
quanto a esse direito a lei tudo possa. Há limites constitucionais que
aqui inevitavelmente se impõem.
Esses
limites exigem, desde logo, que a ablação de parte significativa dos rendimentos
que as pessoas auferem tenha sido imposta pelo legislador por claros e
percetíveis motivos de interesse público. Se esses motivos justificam a
restrição de direitos que são fundamentais (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), por
maioria de razão justificarão a afetação de um direito [à não diminuição da
remuneração] que não tem, em si mesmo, o estatuto de fundamentalidade.
As
razões de interesse público invocadas pela lei do orçamento para justificar as
medidas de suspensão de pagamento (aos trabalhadores do setor público, aos
pensionistas e reformados) dos subsídios de férias e de Natal inserem-se num
contexto histórico complexo, com reflexos e consequências em princípios
estruturantes da ordem constitucional portuguesa.
Esse
contexto histórico, na sua dimensão temporal mais próxima, é marcado pelo
processo negocial entabulado entre a República, por um lado, e as instituições
da União Europeia e os seus membros, por outro, para resolver o problema de
emergência financeira em que se encontrava Portugal no âmbito da crise
sistémica das dívidas soberanas nos países da chamada “Zona Euro”.
A meu
ver, um contexto como este convoca três princípios constitucionais, cujo
cumprimento se impõe ao legislador.
Em
primeiro lugar, o princípio decorrente do artigo 9.º da Constituição, relativos
às tarefas fundamentais do Estado. Tal como sucede com as outras constituições
europeias, escritas na segunda metade do século XX, também a Constituição
portuguesa instaura uma ordem estadual que assume a responsabilidade de garantir
que aos seus membros sejam dadas as condições materiais e espirituais que
permitam a realização de projetos de vida dignos. As tarefas fundamentais do
Estado que, na Constituição portuguesa, vêm definidas no artigo 9.º, são a
expressão desse compromisso constitucional básico, segundo o qual o Estado é
para as pessoas e não as pessoas para o Estado.
Simplesmente,
nem a Constituição portuguesa nem as outras constituições europeias consagraram
(porque não estava nas suas mãos fazê-lo) as condições fácticas que permitiriam
financiar a realização das tarefas fundamentais do Estado. Assim, o primeiro
motivo de interesse público que justifica esta medida legislativa é o da
preservação destas condições, em ordem ao cumprimento de um dos princípios que
estruturam a ordem constitucional portuguesa. Nesta perspetiva, trata-se de um
princípio de salus publica, constitucionalmente entendido.
O
segundo princípio estruturante que é convocado pelo contexto histórico que
rodeia esta medida legislativa é o da justiça intergeracional. Pode discutir-se
(coisa que agora não farei) qual o exato alcance prescritivo que este princípio
pode ter, e qual a sua rigorosa sede, no texto da Constituição; mas o que não
pode a meu ver ser posto em causa é o postulado básico em que o mesmo assenta,
e que resumo do seguinte modo: embora se não estabeleçam na Constituição
limites quantitativos ao endividamento do Estado, dela decorrem implicitamente
limites qualitativos, que coincidem com os limites do ónus que as gerações
presentes podem impor às gerações futuras sem condicionar gravemente a sua
autonomia. Em uma República baseada na ideia de dignidade da pessoa (artigo
1.º), esta atenção para o justo limite de encargos a deixar para o futuro –
justo limite que se ultrapassa quando se oneram as gerações seguintes de tal
forma que é a sua própria esfera de decisão que é esvaziada – não pode deixar
de ser também, ela própria, um dos princípios estruturantes da Constituição. A
solidariedade (artigo 1.º) entre os que estão vivos não pode ser vivida de
forma a excluir a solidariedade para com o futuro.
Por
último, a medida legislativa em apreciação justifica-se ainda no quadro do
mandato constitucional para com a integração europeia (artigo 7.º, n.os
5 e 6) da CRP). Da mesma maneira que é a responsabilidade para com a integração
europeia que valida o financiamento de certos Estados-Membros em dificuldades
financeiras por parte de outros Estados-Membros, o que implica a assunção por
estes últimos de riscos, também é essa mesma responsabilidade,
constitucionalmente estabelecida, que justifica a adoção de uma medida que se
insere no quadro de um esforço conjunto, europeu, de cooperação entre os
vários Estados da União, maxime entre os vários Estados da “Zona Euro”,
em ordem à estabilização financeira e económica dessa mesma “Zona Euro”.
4. Para resolver o conflito existente entre os direitos das
pessoas a não verem reduzidas as remunerações auferidas pelo trabalho que se
presta ou se prestou, e os princípios constitucionais que acabei de mencionar,
a justiça constitucional dispõe dos instrumentos metódicos que os princípios da
igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança lhe conferem. Estes
três princípios, que integram o núcleo da ideia de Estado de direito,
materialmente entendida, são na realidade os meios idóneos para a resolução de
antinomias entre bens jurídicos individuais e bens comunitários (no caso da
proporcionalidade), entre o grau de justiça alcançado por soluções legislativas
de aplicação universal e o grau de justiça alcançado por medidas legislativas
de aplicação pessoal sectorial (como é o caso da igualdade), ou entre a vocação
da ordem jurídica para a duração estável e a necessidade, sentida pelo
legislador ordinário, de romper essa estabilidade de forma a melhor servir o
interesse público (como é o caso do princípio da proteção da confiança).
No
entanto, para que se possa invalidar certas soluções legislativas com
fundamento na aplicação destes instrumentos metódicos, é necessário que em
qualquer caso se saiba que tais soluções legislativas podiam e deviam ter sido
outras, que, com idêntico grau de eficácia, servissem os mesmos fins de
interesse público (ou realizassem os princípios constitucionais que esse
interesse convoca) de modo mais igual para todos, mais benigno para cada um,
e mais conforme com as expectativas de alguns.
Não me
parece que, no caso colocado à apreciação do Tribunal, estivesse este em
condições de saber da existência efetiva destas medidas legislativas alternativas
que fossem igualmente eficazes para a realização dos fins de interesse público
que, constitucionalmente, o legislador estava obrigado a prosseguir e, ao mesmo
tempo, menos lesivas dos direitos das pessoas que, em última análise, se devem
salvaguardar.
A
maioria entendeu que, por razões de evidência, era certa a existência dessas
medidas alternativas quando analisado o problema sob o ponto de vista do
princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos. A medida
ablatória de parte dos rendimentos dos trabalhadores do setor público e dos
pensionistas e reformados foi julgada inconstitucional por violação deste
princípio, por se entender que a intensidade do sacrifício, que
por via dessa medida, por razões de interesse público, se impunha apenas a
alguns, era tal que exigia a sua universal repartição por todos. Discordei, por
estar convicta de que não dispunha aqui o Tribunal de nenhuma evidência que
lhe permitisse comparar o grau de sacrifício exigido aos afetados por estas
medidas e o grau de sacrifício efetivamente sofrido por outros (nomeadamente os
trabalhadores do setor privado) com a conjuntura económica existente. Assim
sendo, foi também minha convicção que não estava a justiça constitucional
epistemicamente apetrechada para invalidar, neste caso, a decisão tomada pelo
legislador. Foi por isso que me pronunciei pelo juízo da não
inconstitucionalidade. Maria Lúcia Amaral
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Não tendo
acompanhado a declaração de inconstitucionalidade das regras impugnadas cumpre
agora explicitar brevemente as razões da nossa divergência.
2. O acórdão
considera “que é certamente admissível alguma diferenciação entre quem recebe
por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia”, acrescentando
que “a liberdade do legislador recorrer ao corte das remunerações e pensões das
pessoas que auferem por verbas públicas, na mira de alcançar um equilíbrio
orçamental, mesmo num quadro de uma grave crise económico-financeira, não pode
ser ilimitada”, e que “ a diferença do grau de sacrifício para aqueles que são
atingidos por esta medida e para os que não o são não pode deixar de ter
limites”.
Acompanhamos
estas considerações, divergindo porém na aplicação que o acórdão delas faz à
situação concreta. Para tanto, o acórdão interroga-se sobre se os quantitativos
cujo pagamento é suspenso pelas disposições sindicadas num “critério de
evidência” no controlo da igualdade proporcional “não são excessivamente
diferenciadores, face às razões que se admitiram como justificativas de uma
redução de rendimentos apenas dirigida aos cidadãos que os auferem por verbas
públicas”. E afirma que os sacrifícios atingem em certos casos um “universo em
que a exiguidade dos rendimentos já impõe tais provações que a exigência de
qualquer sacrifício adicional (…) tem um peso excessivamente gravoso” e que,
noutros, o acréscimo de nova redução atinge um valor percentual de tal modo
elevado que “o juízo sobre a ultrapassagem daquele limite [do sacrifício
adicional exigível] se revela agora evidente”.
Para assim
concluir, revela-se decisiva a consideração de que “a diferença de tratamento é
de tal modo acentuada e significativa que as razões de eficácia da medida
adotada na prossecução do objetivo da redução do défice público para os valores
apontados nos memorandos de entendimento não tem uma valia suficiente para
justificar a dimensão de tal diferença”, tornando “evidente que o diferente
tratamento imposto a quem aufere remunerações e pensões por verbas públicas
ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade
proporcional”.
Diferentemente,
entendemos que a grave diferenciação que operam as normas impugnadas (ao
imporem a determinadas categorias de cidadãos custos especialmente gravosos a
que a generalidade dos outros cidadãos, com iguais rendimentos, não estão
sujeitos) poderá não se considerar concretamente excessiva, pelo menos no que
se refere ao exercício orçamental em curso, tanto mais que nada garante que o
legislador não altere, em futuros exercícios orçamentais, o sentido de tais
medidas optando por alternativas que, estando de forma mais direta ou indireta
ao seu dispor, se apresentam menos diferenciadoras. E isto porque o
legislador não está dispensado da obrigação de, dentro da sua margem de livre
conformação, procurar alternativas de modo a evitar que a medida de suspensão do
pagamento dos subsídios de férias e de Natal veja agravado, com o mero decurso
do tempo ou a sua continuada repetição anual, o seu caráter diferenciador,
podendo vir assim, com o efeito cumulativo gerado, a ultrapassar o limite do
excesso. Temos para nós que a medida de suspensão do pagamento dos subsídios de
férias e de Natal, com a onerosidade específica que implica em termos de
proteção de expetativas legítimas e de igualdade na repartição dos encargos
públicos, apenas se poderá subtrair ao juízo de que seria excessiva tendo em
consideração que ela se apresentou como resposta urgente a uma situação de
grave e extrema emergência financeira a que foi necessário fazer face em termos
imediatos, reduzindo, logo no exercício orçamental seguinte, o défice público,
de acordo com os compromissos internacionalmente assumidos. É pois tendo em
consideração a necessidade urgente de fazer face a uma situação-limite de
necessidade grave e extrema envolvendo inclusivamente o risco de cessação de
pagamentos por parte do Estado português, com todas as consequências negativas
que tal teria a nível da economia nacional e do financiamento do Estado social,
que se pode considerar a medida como não sendo concretamente excessiva.
Acresce, também, o facto de não se terem verificado ainda efeitos cumulativos
ao longo do tempo a repetição anual da medida de suspensão do pagamento do
subsídio de férias e de Natal. Atendendo a estas considerações, julgamos não
inconstitucional a medida de suspensão do pagamento do subsídio de férias e de
Natal agora impugnada.
3. Tal juízo
de não inconstitucionalidade não valerá, porém, necessariamente para futuros
exercícios orçamentais, sendo aliás a pretensão de ultraactividade (para além
do presente exercício orçamental) das normas sindicadas já de si de duvidosa
legitimidade constitucional. Diga-se ainda que um futuro juízo de
proporcionalidade, que não poderá ignorar que para medidas de excepção
restritivas de direitos e expectativas dos cidadãos existe um ónus de
fundamentação do legislador que só poderá ser cumprido perante específicas
circunstâncias económicas e financeiras, forçosamente evolutivas, terá de estar
dependente da consideração da intensidade relativa em termos de justiça
distributiva e dos efeitos cumulativos e continuados dos sacrifícios ao longo
do tempo. Isto implica certamente o cumprimento por parte do legislador de um
específico dever de criação das condições de possibilidade de alternativas que
evitem que, com o decurso do tempo, as medidas tomadas se tornem excessivas,
tendo em conta a intensidade relativa dos sacrifícios impostos em termos de
igualdade na repartição dos encargos públicos. .- Rui Manuel Moura Ramos.
[ documento impresso do Tribunal
Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20120353.html
]
Sem comentários:
Enviar um comentário